Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
20 de Abril de 2024

A cara de pau de Eduardo Cunha

A ficha de Eduardo Cunha, o mais novo notável da República.

Publicado por André Ichikawa
há 9 anos

Ouvir Eduardo Cunha falando de valores republicanos soaria irônico, não fosse trágico. O presidente da Câmara defendeu em artigo recente nesta Folha temas como a independência dos poderes, reformas política e tributária e a realização do debate democrático. Quem não o conhece, que compre.

A trajetória de Cunha é recheada de eventos bem pouco apropriados a um guardião da República. E nos ajuda a entender que tipo de interesse está por trás de seu discurso de mudanças legislativas.

Em 1989, Cunha foi o responsável financeiro do Comitê de campanha de Collor no Rio de Janeiro. Como retribuição ganhou o cargo de presidente da Telerj. Após a saída de Collor, foi exonerado por conta de um esquema de superfaturamento em contrato da companhia com a empresa NEC, que recebeu aditivo de US$ 92 milhões. Ainda por sua atuação na Telerj foi um dos 44 indiciados na investigação do Esquema de PC Farias.

Em 2000, reaparece nas páginas policiais após ter que deixar a presidência da Companhia Estadual de Habitação do Rio por conta de denúncias de corrupção. Desta vez foi acusado de realizar contratos sem licitação e favorecimento de empresas fantasmas. Instado a explicar a incompatibilidade entre seus gastos e a renda declarada no período, alegou um suposto empréstimo do banco Boreal.

Talvez uma coincidência da vida, mas o banco Boreal pertence ao mesmo grupo que controla a operadora portuária Libra, beneficiada anos depois pelas manobras estridentes de Cunha no debate da MP dos Portos.

Em 2005, foi aberta a CPI dos Correios que desencadeou o escândalo do mensalão. E lá estava Cunha. Foi associado ao doleiro Lucio Funaro, cujo esquema com corretoras esteve ligado ao rombo de R$ 309 milhões do fundo de pensão carioca Prece. Foi descoberto que o doleiro, que tornou-se delator do mensalão, pagava o aluguel de um luxuoso flat para Cunha em Brasília.

A parceria mostrou-se sólida. Em 2007, quando Cunha emplacou a indicação do ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde como presidente de Furnas, a empresa pública foi levada a fazer um negócio escandaloso, denunciado quatro anos mais tarde.

Pouco depois da posse de Conde, Furnas abriu mão de adquirir um lote de ações por R$ 6,9 milhões. Oito meses mais tarde adquiriu o mesmo lote, de outra empresa, por R$ 80 milhões. R$ 73 milhões de ágio. Quem foi a empresa felizarda? A companhia Serra da Carioca II, do Grupo Gallway, dirigido por… Lucio Funaro, operador de Cunha.

Todas essas denúncias são públicas, assim como as acusações de seu envolvimento numa negociata imobiliária com o traficante colombiano Juan Carlos Abadia e sua relação com políticos acusados de dirigirem milícias no Rio de Janeiro. No entanto, nada disso o impediu de tornar-se o chefe do Poder Legislativo do país e de querer ainda aplicar sermões republicanos.

Responde a processos criminais no STF e no Tribunal de Justiça do Rio por improbidade administrativa, compra de votos e crime tributário, dentre outros. Homem de bons amigos, até agora saiu sempre ileso. Foi citado nos vazamentos da Lava a Jato. Resta saber se estará na denúncia do Ministério Público ou se passará assobiando novamente.

Mas Cunha não é uma anomalia: é expressão da captura das funções públicas pelos interesses privados. O financiamento empresarial de campanha sempre permitiu aos grupos econômicos construírem suas bancadas.

A bancada ruralista, a da bala, das empreiteiras, dos empresários da educação ou dos planos de saúde são notórias e têm cada qual seu time de parlamentares.

O diferencial de Cunha – que espanta pela ousadia – é ter-se constituído numa espécie de gerente de várias bancadas de interesse. Mantém relação e obtém financiamento de empresas de vários setores, atuando como um curinga dos negócios privados no Legislativo. Daí suas sólidas amizades.

Daí também ter um poder de arrecadação eleitoral que o permitiu terceirizar o financiamento para outros deputados. Arrecada das empresas e financia campanhas de colegas. Constituiu assim uma bancada própria, com a fidelidade que o dinheiro assegura nesses casos.

Diante disso não é preciso muito para compreender que a reforma política proposta por ele não tocará no ponto essencial da corrupção, que é o modelo de financiamento das campanhas. Ao contrário, buscará enxertar por uma PEC o financiamento empresarial na Constituição, anulando os efeitos da ADI 4650, que já tem maioria no Supremo. Gilmar Mendes mata no peito e Cunha faz o gol. Pena que contra.

Já sua “reforma tributária” nem passará perto da distorção regressiva de nosso modelo, no qual os ricos pagam proporcionalmente menos impostos que os pobres no país. Muito provavelmente, dada suas relações, tentará desonerar ainda mais o capital. Na verdade, tratam-se nos dois casos de contrarreformas.

A condução de Eduardo Cunha à presidência da Câmara mata qualquer ilusão de que este Congresso realizará as reformas almejadas pela maioria do povo brasileiro. Ou virão da mobilização das ruas ou simplesmente não ocorrerão.

Por Guilherme Boulos


Texto postado originalmente em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/guilhermeboulos/2015/02/1591244acara-de-pau-de-eduardo-cunha....

  • Publicações8
  • Seguidores10
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações1774
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-cara-de-pau-de-eduardo-cunha/204271047

24 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Esse foi o mais longo "ad hominem" que já li por aqui. continuar lendo

Rs! Concordo com você. continuar lendo

Ah sim, claro. Porque os desmandos republicanos de Cunha não afetam diretamente a população e sua conduta não pode ser criticada, bem como todos os argumentos do texto são infundados. continuar lendo

É a típica postura brasileira: pode ser ladrão, mas se me agrada, tem voto. Dias depois, tomando uma requintada bebida em seu cômodo sofá, reclama da corrupção. Se não reclama, não se importa com os rumos de qualquer coisa que não seja sua vida ou está ganhando muito bem com algum carguinho político. continuar lendo

Essas informações contra o Eduardo Cunha é MENTIRA ... continuar lendo

Irônico ou verdade? Prove então meu caro, aponte suas fontes para dizer que é mentira. Ademais, aponte também a mentira sobre o shopping da câmara e do "jubati" (felizmente derrotado) no qual o saudoso Cunha havia introduzido um sistema de multas ao seguro privado que, além de diminuir a atuação fiscalizatória e punitiva dos já fracos órgãos estatais, cominava um perdão que poderia cominar na perda de 2 bilhões aos cofres públicos em decorrência de atos "nada abusivos" destes grupos lobbystas que foram um dos financiadores de campanha de Cunha. continuar lendo

é sim, também é mentira que minha mãe não me deu leite desde que nasci.
P.S. o padrinho de Cunha no "crime" (politicagem/política) foi nada menos que o finado PC Farias que foi tesoureiro de campanha eleitoral do politiqueiro ex-presidente cassado Fernando Collor de Mello. continuar lendo

Receita para criar um Eduardo Cunha: 1/3 de Frank Underwood (House of Cards) 1/3 de Eli Gold (The Good White - principalmente a aparência :-) ) e 1/3 do capeta. Misture bem. Sirva ainda quente. :-) continuar lendo

E há quem defenda o Parlamentarismo como opção a atual conjuntura política...Impeachment da Dilma, ainda passa, desde que não seja para Cunha se tornar o 1º Ministro, à revelia de toda a população. Ele se comporta atualmente como o Luis XIV do Congresso. Até concordo com algumas ideias, sou a favor da redução da maioridade, mas a maneira como Cunha tem atuado em muitos pontos causa espanto tanto ao governo, quanto à oposição. Francamente. continuar lendo

Esse governo estava acostumado a comprar todos os deputados e senadores, por isso as pessoas estão estranhando que agora haja oposição. continuar lendo